segunda-feira, 15 de dezembro de 2014

Os miseráveis de Fidel existem?

Conta-se que quando a Madre de Calcutá foi recebida pelo Comandante Fidel Castro, a religiosa perguntou se em Cuba havia pobres. Imediatamente Fidel respondeu que não. Uma bela mentira que na viagem que fiz ao interior de Cuba ficou confirmado que em Cuba, apesar de toda a propaganda em favor do paraíso do Caribe, existem sim milhares de pobres, que vivem em cortiços ou na periferia das cidades. Um exemplo está em Havana, no bairro La Víbora, bem como na periferia de cidades como Holgin, Santa Clara, Manzanillo e Santiago.
Pantoja costurando o tênis

Na verdade, alguns milhares são miseráveis, pois a maioria das famílias são pobres, batalhando para sobreviver. Em Cuba ninguém passa fome, pois o governo instituiu a libreta, onde são adquiridos alimentos a preços subsidiados, que duram pelo menos 13 a 14 dias por mês.
Caminhando por uma praça em frente à Paróquia de La Pastora, em Santa Clara, deparei com um homem costurando um par de tênis. Achei uma atitude insólita e acheguei-me a ele. Chama-se Henrique Pantoja, um sem-teto que vive nas ruas, catando comida e objetos de consumo como sapatos velhos e tênis nas lixeiras. Contou-me um pouco de sua sofrida vida. Sem família, sem casa, passa as noites sobre a marquise de um antigo hospital. Embaixo do braço, dois jornais do dia. Estranhei muito o interesse pela leitura. Depois de alguns minutos começou a desabafar: “Eu não sou pobre. Sou um miserável, isso sim. Sou fruto da Revolução, aqui em Santa Clara comandada pelo Che Guevara, um “hombre de mierda”. Iludi-me com a Revolução e logo vi que não sairia dessa. Na minha juventude, era encarregado de distribuir panfletos contra o governo. Logo fui preso e passei três anos na cadeia. Minha profissão é de sapateiro, mas como não tenho casa, nem família, vivo nas ruas. Uma das minhas fontes de renda é consertar tênis e sapatos velhos que acho nas lixeiras, para depois revendê-los na bairro El Condado (o mais pobre de Santa Clara). Ganho por cada tênis ou sapato 25 pesos (um dólar). Com isso, compro pão todos os dias, pela manhã. O pão redondo custa 1 centavo de peso. Já para o almoço, frequento um dos comedores existentes na cidade, seja do governo ou de instituições religiosas”. Somente na cidade de Santa Clara são em torno de 250 pessoas que frequentam, de segunda a sexta, os restaurantes de pobres. Em Havana, informou Henrique,  são milhares de pessoas que almoçam todos os dias nos restaurantes de pobres. Em Manzanillo, em torno de 240 pessoas nos sete comedores patrocinados pela Igreja Católica.
Detalhes da costura

Surpresas atrás de surpresas. Mas não me contentei com o que disse. Perguntei sobre o modo de vida implantado em Cuba e ele respondeu com uma frase apenas: “é uma desumanidade”. Explicou que agora com a permissão para abrir pequenos negócios como venda de sucos, pastéis, frutas, quem sai ganhando é o governo que cobra impostos caros pela mini-empresa. Por isso ele não pode abrir uma sapataria, pois seria inviável. Além disso, como vive na rua não tem teto e por isso não tem direito à libreta de alimentação para adquirir produtos mais baratos. Sua maior alegria é no tempo do carnaval: “Todo mundo me dá comida e eu roubo os copos de plástico enquanto as pessoas dançam. No carnaval faço um estoque grande de copos descartáveis, lavo-os e depois vendo para as pessoas do meu bairro.” E abrindo seu saco, mostrou-me pelo menos uma dúzia de copos. Esta venda também tem explicação porque no comércio há um desabastecimento de alguns produtos, dentre os quais copos de vidro. Numa cidade chamada Madruga, perto de Matanzas, em uma família que nos recebeu, a senhora ao servir um cafezinho, desculpou-se por ter apenas um copo de vidro. O meu companheiro usou um copo de plástico. A explicação está na falta de copos de vidro no mercado.
Um catador de lixo

Ao ser perguntado sobre os jornais que tinha embaixo do braço, novamente surpreendeu-me mostrando o jornal Granma e o Juventud Rebelde. Revelou que compra por 1 peso e revende por 3, depois de inteirar-se de todas as notícias. E disse: “hoje tem notícias sobre o Brasil, pois o Putin (presidente russo) passou pelo Brasil, Chile e Argentina para a compra de alimentos, já que não deseja mais adquirir no mercado europeu. A mim ninguém me engana. Leio todas as notícias e estou inteirado de tudo o que acontece em nosso país” - disse com toda a calma do mundo. E Che Guevara? - perguntei. “Foi um comandante bom para quem estava perto dele, mas mau com os ativistas e adversários. Mandou fuzilar muita gente, inclusive um amigo meu. Foi guerrear na Angola, Congo e Bolívia. Ali se deu mal e o mataram. Era muito idealista e muitas vezes ingênuo. Queria repetir o sucesso da Revolução cubana em outros países, e deu no que deu”. E me perguntou: “Já viste o memorial do Che?” Casualmente tinha ido conhecer o grande memorial, em Santa Clara onde estão depositados os restos mortais do guerrilheiro. Enquanto conversávamos, Henrique continuava a costurar seu tênis. Em nossa frente, outro miserável remexia o latão de lixo, à procura de sua subsistência. Já a famosa Madre de Calcutá venceu em Cuba, pois suas irmãzinhas de azul e branco estão trabalhando em várias cidades junto aos pobres de Fidel. Mais um mito que caiu.
Monumento a  Che Guevara



segunda-feira, 1 de dezembro de 2014

El Viejo: o soldado de Fidel Castro

Ele se chama Israel Fernandez Jimenez, de apelido El Viejo, 83 anos, cubano, guarda noturno da praça em frente à igreja São José, em Manzanillo, Cuba. Pai de quatro filhos, tenente coronel do Exército Rebelde e fã número um de Fidel Castro. Este é o perfil de um idoso que vigia à noite a praça para que a juventude não use drogas nem faça arruaças. Sua convicção e de que Cuba é o melhor dos países do mundo para se viver, pois “aqui há igualdade entre as pessoas”.
Estamos diante de um homem que lutou toda a vida por um ideal que foi o da revolução cubana.
Nascido em Birán, terra natal de Fidel Castro, conheceu de perto toda a família do Comandante,
inclusive era amigo de Raul Castro. “Eu, o Raul e o Fidel fomos amigos na juventude. Fidel era bem
mais velho que eu e eu o admirava pelas suas idéias. Sempre fui fiel a ele”

El Viejo com seu charuto cubano
 O nosso entrevistado, entre baforadas do seu
charuto cubano, começou a contar um pouco de sua vida: “Fui soldado do chamado Exército Rebelde, criado por Camilo Cienfuegos, um dos três maiores comandantes que vi na minha vida. Participei da invasão do quartel Moncada em Santiago de Cuba e aí fomos derrotados e presos. Depois fomos anistiados. Logo me incorporei ao exército do Comandante Almeida, depois de sua vinda do México junto com Fidel Castro. Participei das escaramuças da Sierra Maestra e ali junto com Fidel, Che Guevara, Camilo Cienfuegos, saímos para a libertação de Cuba do ditador Batista. Na época, uma das minhas funções era roubar cabos de linhas telegráficas e roubar e matar guardas do ditador. Nossa tática era chegar por trás de um guarda e com um pedaço de aro de bicicleta atingir suas costas e gritar: manos arriba ( mãos ao alto). Depois roubava suas armas e muitas vezes, matávamos o soldado. Por 11 vezes, subi a a Sierra Maestra, levando numa mochila com alimentos e armas e ali ficava acampado com Fidel e os outros companheiros. Ali o Comandante Almeida um dos chefes do Exército Rebelde preparou seu pequeno exército e dali saímos para conquistar Bahyamo e Santa Clara, junto com  Che Guevara. Dali partimos para Havana onde conquistamos o poder e afugentamos o ditador Batista” O velho Israel ao falar de seu passado, punha-se de pé como se fosse um soldado em marcha e seu ardor o obrigava a levantar a voz todas as vezes que nomeava seu comandante, o Almeida.
El viejo, na sua casinha

Passados dois anos da Revolução, El Viejo foi encarregado de consertar pequenos aviões de
combate, tornado-se mecânico. Foi condecorado várias vezes e no Mausoléu de Che Guevara, em
Santa Clara, ali está seu nome gravado no mármore, o tal El Viejo é ele próprio e disso orgulha-se.
Para falar de seus filhos, el Viejo emociona-se e diz sentir saudade dos quatro filhos: três
mulheres e um varão. Duas delas, a Sônia e Angelita vivem no Brasil, na cidade de Belo Horizonte, participando da “Misión” dos médicos  cubanos. A terceira filha vive na Rússia como médica em um barco que industrializa pescado. O filho é advogado na cidade de Santa Clara. Sua maior paixão são seus dois netos. Perguntado sobre o porque de sua profissão atual de guarda noturno disse que
 durante muitos anos como soldado do Exército Rebelde sempre trabalhou à noite e dormia de dia. Hoje continua neste seu horário e fica acordado toda a noite. Ganha 400 pesos por mês (cerca de 18 dólares).Seu salário como tenente coronel é de 900 pesos (cerca de 37 dólares). “Não posso me queixar da vida. O amigo Fidel me deu um carrito ( lada soviético) e uma casa de dois pisos. Uma vez por ano vou a umquartel para treinar e conhecer novas armas. Se preciso for, novamente estarei à disposição do meu Comandante”. O ex-soldado recebe, ainda uma mesada que as filhas médicas em Belo Horizonte enviam,bem como presentes. “Sou um homem feliz e para mim sobra dinheiro no final do mês. Não bebo, gasto o suficiente para comer e por isso o dinheiro é um luxo”.

Entre uma baforada e outra do seu imenso charuto, ainda prometeu comprar um livro sobre a vida do Comandante Camilo Cienfuegos e na página 83, aparece seu nome com suas proezas como soldado. El Viejo despediu-se servindo um cafezinho, torrado por ele mesmo. Era intragável, mas bebi em nome da nossa amizade.