Um dos expoentes dos Simon na
Argentina foi Pedro Alfonso Simon. Figura mítica, deixou um rastro de histórias
fantásticas por onde andou. Sua memória ficará para sempre como um homem
preocupado com sua família a ponto de arriscar sua vida pelos filhos. Pedro
Alfonso nasceu em Cerro Largo (RS) no dia 7 de maio de 1926 e morreu em 1991,
em San Ignácio (Misiones) Argentina, pescando no Rio Paraná. Morreu como pediu
a Deus - dizem seus familiares. Teve treze filhos dos quais onze estão vivos,
quase todos residentes na Argentina. Suas histórias percorreram o mundo da
região das missões do lado brasileiro e argentino. Gostava de pescaria a ponto
de construir sua casa à beira do Rio Paraná. Extremamente amante da família,
gostava da vida e assim resumia sua trajetória num misto de português, alemão e
castelhano: “En mi vida no matê, no robê (e olhando para os lados para ver se
alguma mulher estivesse ouvindo, arrematava) e no fuê puto. Porque yo soy Pedro
Alfonso Simon”. Aqui vamos reproduzir uma de suas aventuras pelo Rio Uruguai,
num contrabando de feijão, escrita pelo historiador Mário Simon, de Santo
Ângelo, em maio de 1991:
“Corria o ano de 1963. Por este
tempo, o Brasil e Argentina buscavam por um fim ao contrabando na fronteira. Na
região de Missões, a repressão era feita à bala
de fuzis e metralhadoras. O Rio Uruguai, muitas vezes, se avermelhou de
sangue de heróis desconhecidos que faziam do seu leito de águas límpidas ainda
um meio de sobrevivência. É que os verdadeiros contrabandistas, os grandes
empresários se ocultavam covardemente por trás dos chibeiros corajosos. Suas
barcaças é que transladavam as mercadorias que iam enriquecer os empresários do
outro lado. Passar o rio, ocultos na noite ou
mesmo no denso nevoeiro das manhãs de inverno era tarefa que rendia
minguadas rendas aos chibeiros valentes.
Era verão naquele ano de 1963. Pedro
Alfonso Simon, em duas canoas, levava 50 sacos de feijão argentino. O endereço
era a costa brasileira. Partiu à tardinha. Tudo parecia tão calmo. No coração a
angústia de não saber se tinha volta; no olhos, a busca de algum sinal da
polícia brasileira. Otília, sua esposa via a enorme carga flutuar e alguma
coisa apertava o peito. Mas a coragem e a necessidade de prover o sustento dos
filhos era mais forte do que o medo.
Pedro Alfonso não podia divisar, no
outro lado, por entre as árvores ribeirinhas, o barco policial e a polícia
sedenta de sangue. Já alcançava mais da metade do rio quando percebeu a
emboscada. Era tarde demais. Com toda as forças
de sua poderosa coragem, deu meia volta às canoas e, desesperadamente,
remava para a margem donde partira. Lá, Otília via o barco da polícia brasileira
partindo velozmente na captura do esposo e da mercadoria.
Pedro Alfonso, ao meio |
Quando Pedro Alfonso já ganhava o
meio do rio e a polícia pressentia que perdia sua presa, os fuzis e
metralhadoras começaram a falar mais alto. As balas furavam os sacos de feijão
e Pedro Alfonso ouvia o sibilar da morte passando perto de sua cabeça. Sem
outra alternativa, o corajoso Pedro Alfonso
jogou-se nas águas turbulentas do Uruguai e foi
no fundo delas o abrigo da fuzilaria. As canoas ficaram à deriva. Então
iniciou-se um terrível pesadelo para a mulher Otília. Ela via o marido que
subia à tona buscando ar, no mesmo instante as metralhadoras furando a água ao
seu redor. Pedro Alfonso sumia-se nas águas para, outra vez, emergir e outra
vez a fuzilaria pipocar em volta de sua cabeça. Mas lá no fundo do rio estava
Pedro Alfonso Simon e não outro qualquer. Os minutos embaixo d’água eram cruciais. Enquanto o fortíssimo pulmão
quase explodia, pela mente de Pedro Alfonso passava a lembrança dos filhos e da
mulher e isso o enchia de coragem redobrada. Lá, no meio do rio, a polícia.
Enquanto o fortíssimo pulmão quase explodia, pela mente de Pedro Alfonso passava
a lembrança dos filhos e da mulher e isso o enchia de coragem redobrada. Lá, no
meio do rio, a polícia brasileira apreendia a carga e rebocava as duas canoas
até a costa argentina. Alguns soldados ainda atreveram-se a vasculhar as
imediações à procura do contrabandista. Mas este e sua mulher já estavam em
casa seguros de que ali a repressão brasileira não viria.
Ficava, no entanto, um grande
problema a resolver. A carga de feijão nas canoas amarradas ali na beira do rio
serviria para identificar o dono junto à gendarmeria argentina. Foi então que a
mulher Otília tomou uma decisão: iria afundar as canoas com os 50 sacos de
feijão, fazendo desaparecer a prova do contrabando.
Otília partiu em direção ao rio
apesar dos protestos de Pedro Alfonso que não queria por em perigo a vida de
sua mulher. Próxima à margem Otília espiou o rio. Viu as canoas amarradas, mas
nenhum policial por perto. De qualquer maneira, esperou que a noite fechasse o
mundo. No escuro, aproximou-se mais e escutou. Nenhum ruído além das ondas da
água. Então Otília desceu até as canoas, perscrutou em volta e certa de que não
havia ninguém soltou uma das canoas
deixando que vagasse para dentro do rio.
Ali subiu com pé de cada lado das bordas, balançou-a de cá para lá com
fúria até que a água tomou conta do bojo e tudo foi ao fundo quase tragando-a
junto. A nado alcançou a outra canoa e repetiu a manobra com todas as forças fazendo tudo sumir no escuro das águas. Alcançou a margem a nado e fugiu
dali barranca acima.
A noite já era total quando Otília
chegou em casa. Pedro Alfonso e os filhos aguardavam ansiosos.
-Tudo bem, meu velho. Não existem
mais canoas nem feijão!
E abraçou-se ao seu homem deixando
que as lágrimas se misturassem a água das roupas molhadas. Os filhos em volta,
mal entendiam o que estava acontecendo quando aquele homem enxugava os olhos
com as costas da mão”.
Esta
é uma homenagem póstuma ao grande amigo Pedro Alfonso do escritor Mário Simon
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