terça-feira, 7 de novembro de 2017

PEDRO ALFONSO SIMON, O HERÓI DE DUAS FRONTEIRAS


                Um dos expoentes dos Simon na Argentina foi Pedro Alfonso Simon. Figura mítica, deixou um rastro de histórias fantásticas por onde andou. Sua memória ficará para sempre como um homem preocupado com sua família a ponto de arriscar sua vida pelos filhos. Pedro Alfonso nasceu em Cerro Largo (RS) no dia 7 de maio de 1926 e morreu em 1991, em San Ignácio (Misiones) Argentina, pescando no Rio Paraná. Morreu como pediu a Deus - dizem seus familiares. Teve treze filhos dos quais onze estão vivos, quase todos residentes na Argentina. Suas histórias percorreram o mundo da região das missões do lado brasileiro e argentino. Gostava de pescaria a ponto de construir sua casa à beira do Rio Paraná. Extremamente amante da família, gostava da vida e assim resumia sua trajetória num misto de português, alemão e castelhano: “En mi vida no matê, no robê (e olhando para os lados para ver se alguma mulher estivesse ouvindo, arrematava) e no fuê puto. Porque yo soy Pedro Alfonso Simon”. Aqui vamos reproduzir uma de suas aventuras pelo Rio Uruguai, num contrabando de feijão, escrita pelo historiador Mário Simon, de Santo Ângelo, em maio de 1991:



Família vendo-se Pedro Alfonso, ao meio, sentado com a esposa

              “Corria o ano de 1963. Por este tempo, o Brasil e Argentina buscavam por um fim ao contrabando na fronteira. Na região de Missões, a repressão era feita à bala  de fuzis e metralhadoras. O Rio Uruguai, muitas vezes, se avermelhou de sangue de heróis desconhecidos que faziam do seu leito de águas límpidas ainda um meio de sobrevivência. É que os verdadeiros contrabandistas, os grandes empresários se ocultavam covardemente por trás dos chibeiros corajosos. Suas barcaças é que transladavam as mercadorias que iam enriquecer os empresários do outro lado. Passar o rio, ocultos na noite ou  mesmo no denso nevoeiro das manhãs de inverno era tarefa que rendia minguadas  rendas aos chibeiros valentes.

                Era verão naquele ano de 1963. Pedro Alfonso Simon, em duas canoas, levava 50 sacos de feijão argentino. O endereço era a costa brasileira. Partiu à tardinha. Tudo parecia tão calmo. No coração a angústia de não saber se tinha volta; no olhos, a busca de algum sinal da polícia brasileira. Otília, sua esposa via a enorme carga flutuar e alguma coisa apertava o peito. Mas a coragem e a necessidade de prover o sustento dos filhos era mais forte do que o medo.


Pedro Alfonso, ao meio
                  Pedro Alfonso não podia divisar, no outro lado, por entre as árvores ribeirinhas, o barco policial e a polícia sedenta de sangue. Já alcançava mais da metade do rio quando percebeu a emboscada. Era tarde demais. Com toda as forças  de sua poderosa coragem, deu meia volta às canoas e, desesperadamente, remava para a margem donde partira. Lá, Otília via o barco da polícia brasileira partindo velozmente na captura do esposo e da mercadoria.

                Quando Pedro Alfonso já ganhava o meio do rio e a polícia pressentia que perdia sua presa, os fuzis e metralhadoras começaram a falar mais alto. As balas furavam os sacos de feijão e Pedro Alfonso ouvia o sibilar da morte passando perto de sua cabeça. Sem outra alternativa, o corajoso Pedro Alfonso  jogou-se nas águas turbulentas do Uruguai  e foi  no fundo delas o abrigo da fuzilaria. As canoas ficaram à deriva. Então iniciou-se um terrível pesadelo para a mulher Otília. Ela via o marido que subia à tona buscando ar, no mesmo instante as metralhadoras furando a água ao seu redor. Pedro Alfonso sumia-se nas águas para, outra vez, emergir e outra vez a fuzilaria pipocar em volta de sua cabeça. Mas lá no fundo do rio estava Pedro Alfonso Simon e não outro qualquer. Os minutos embaixo d’água  eram cruciais. Enquanto o fortíssimo pulmão quase explodia, pela mente de Pedro Alfonso passava a lembrança dos filhos e da mulher e isso o enchia de coragem redobrada. Lá, no meio do rio, a polícia. Enquanto o fortíssimo pulmão quase explodia, pela mente de Pedro Alfonso passava a lembrança dos filhos e da mulher e isso o enchia de coragem redobrada. Lá, no meio do rio, a polícia brasileira apreendia a carga e rebocava as duas canoas até a costa argentina. Alguns soldados ainda atreveram-se a vasculhar as imediações à procura do contrabandista. Mas este e sua mulher já estavam em casa seguros de que ali a repressão brasileira não viria.

                Ficava, no entanto, um grande problema a resolver. A carga de feijão nas canoas amarradas ali na beira do rio serviria para identificar o dono junto à gendarmeria argentina. Foi então que a mulher Otília tomou uma decisão: iria afundar as canoas com os 50 sacos de feijão, fazendo desaparecer a prova do contrabando.

                Otília partiu em direção ao rio apesar dos protestos de Pedro Alfonso que não queria por em perigo a vida de sua mulher. Próxima à margem Otília espiou o rio. Viu as canoas amarradas, mas nenhum policial por perto. De qualquer maneira, esperou que a noite fechasse o mundo. No escuro, aproximou-se mais e escutou. Nenhum ruído além das ondas da água. Então Otília desceu até as canoas, perscrutou em volta e certa de que não havia ninguém soltou uma das canoas  deixando que vagasse para dentro do rio.  Ali subiu com pé de cada lado das bordas, balançou-a de cá para lá com fúria até que a água tomou conta do bojo e tudo foi ao fundo quase tragando-a junto. A nado alcançou a outra canoa e repetiu a manobra  com todas as forças  fazendo tudo sumir no escuro  das águas. Alcançou a margem a nado e fugiu dali barranca acima.

                   A noite já era total quando Otília chegou em casa. Pedro Alfonso e os filhos aguardavam ansiosos.

                  -Tudo bem, meu velho. Não existem mais canoas nem feijão!

                  E abraçou-se ao seu homem deixando que as lágrimas se misturassem a água das roupas molhadas. Os filhos em volta, mal entendiam o que estava acontecendo quando aquele homem enxugava os olhos com as costas da mão”.
                  Esta é uma homenagem póstuma ao grande amigo Pedro Alfonso do escritor Mário Simon

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