família como o tio
Inverno de 1964. O Brasil fervia com o golpe militar de 31 de março. Tinha então 21 anos. Lembro bem. Era um dia frio e chuvoso. De posse do endereço, aproximei-me de uma casa situada na Avenida Bagé 484, no Bairro Petrópolis, em Porto Alegre. Ali era a residência de Pedro Emanuel Simon. Tudo o que sabia: Pedro era o irmão mais velho do meu pai João Alfredo Simon. Mais: que era dentista de profissão. Estava meio nervoso, pois não tinha nenhuma referência a mais deste tio que era conhecido pela minha Emanuel.
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Inverno de 1964. O Brasil fervia com o golpe militar de 31 de março. Tinha então 21 anos. Lembro bem. Era um dia frio e chuvoso. De posse do endereço, aproximei-me de uma casa situada na Avenida Bagé 484, no Bairro Petrópolis, em Porto Alegre. Ali era a residência de Pedro Emanuel Simon. Tudo o que sabia: Pedro era o irmão mais velho do meu pai João Alfredo Simon. Mais: que era dentista de profissão. Estava meio nervoso, pois não tinha nenhuma referência a mais deste tio que era conhecido pela minha Emanuel.
Abri o portão
e bati na campainha. Logo a porta foi aberta e eis que aparece a figura
simpática de um senhor, meio careca, de óculos, meio gordo, com muita
semelhança com meu pai. Deu-me um abraço e conduziu-me a uma sala e, logo
começou a conversar perguntando sobre meu pai e minha família. Disse que eu era
bem-vindo em sua casa e que ficasse à vontade como se sua casa fosse a minha.
De voz mansa, Pedro Emanuel logo revelou sua paixão de vida: a montagem de uma
árvore genealógica dos Simon no Brasil. Falando com entusiasmo, começou a
discorrer sobre suas descobertas em suas pesquisas na Cúria Metropolitana de
Porto Alegre, em cemitérios e em visitas a parentes no interior do Estado.
Sempre buscando montar o quebra-cabeças das centenas de família Simon. Em sua
euforia, começou a contar-me a história da família começando pelo alemão
Mathias Simon, seus dez filhos, e a imensa descendência de cada um. Mostrou-me
sua vasta correspondência através de um questionário impresso com perguntas em
português e alemão que enviou aos Simon do interior do Estado. Foram centenas
de cartas com suas respostas. Eu estava delirando. De uma hora para outra,
descobrira que eu fazia parte de uma imensa família que ultrapassava os umbrais
de minha família e dos séculos. Ali, descobri que eu era um homem do planeta
terra, com imensas e profundas raízes na Alemanha e com histórias mirabolantes.
Tio Pedro Emanuel não parava de falar. “O imigrante alemão Mathias Simon foi
soldado de Napoleão Bonaparte, por sete anos, e participou de muitas guerras, as
chamadas guerras napoleônicas na Península Ibérica e depois em 1812, na invasão
russa, com mais de 300 mil soldados, com perdas fantásticas de milhares de
soldados mortos. Mathias foi um do 8.000 soldados sobreviventes, que voltou,
ferido, para sua terra natal, a cidade de Hermeskeil , na Alemanha. Como estudante
de história, eu estava deslumbrado com tamanha história.
Pedro Emanuel (o primeiro à esquerda) com um grupo de cantores |
Anoitecia.
Pedro Emanuel continuava a revelar suas descobertas familiares. Sentado em uma
cadeira de balanço, em certos momentos levantava, tal o ardor da narração para
um estudante que nada sabia deste passado de glórias, de coragem e destemor dos
meus antepassados. E abrindo um armário, tirou milhares de fichas das famílias
pesquisadas. E procurou a ficha da minha família, ou seja, de João Alfredo
Simon e lá estava eu como nono filho do pai João Alfredo, com data e local de
nascimento. Tudo certinho. Assim como dos demais irmãos meus.
Eu estava
êxtase, pois de repente abriu-se em minha mente um novo horizonte, sem
fronteiras, sem obstáculos, sentindo-me um homem valente, orgulhoso e corajoso
por pertencer a esta grande família que atravessou séculos para definitivamente
instalar-se em solo brasileiro e gaúcho.
Em seguida, convidou-me
para jantar e apresentou-me sua simpática esposa, a tia Maria Ferreira. Durante
o jantar, Pedro Emanuel não parou de conversar. E revelou-me outra face de sua
intensa vida cultural. Era também professor de esperanto, esta língua universal
que atrai adeptos no mundo todo. Deu-me um pequeno opúsculo sobre a língua e
entusiasmou-me para aprende-la. Ensinou-me a cantar o canto religioso “Mi estas
ce la patrin”, ou seja, “Com minha mãe estarei”. Pedro Emanuel cantava com
todos os pulmões e ali percebi que ele tinha uma voz maviosa. Antes das
despedidas mostrou-me sua sala de dentista, bem como fotos dos filhos e filhas. Foi uma tarde
noite muito proveitosa. Despedi-me com um abraço, prometendo voltar para
usufruir de sua cultura e das suas pesquisas genealógicas, convencido que tinha
muito a aprender. Era o começo de uma longa jornada que se estende até os dias
de hoje.
Na próxima edição, a morte de Pedro Emanuel Simon em Porto Alegre.
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